terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Alvares de Azevedo


SAUDADES
Foi por ti que num sonho de ventura
A flor da mocidade consumi...
E às primaveras disse adeus tão cedo
E na idade do amor envelheci!
Vinte anos! derramei-os gota a gota
Num abismo de dor e esquecimento...
De fogosas visões nutri meu peito...
Vinte anos!... sem viver um só momento!
Contudo, no passado uma esperança
Tanto amor e ventura prometia...
E uma virgem tão doce, tão divina,
Nos sonhos junto a mim adormecia!

Quando eu lia com ela... e no romance
Suspirava melhor ardente nota...
E Jocelyn sonhava com Laurence
Ou Werther se morria por Carlota...
Eu sentia a tremer e a transluzir-lhe
Nos olhos negros a alma inocentinha...
E uma furtiva lágrima rolando
Da face dela umedecer a minha!
E quantas vezes o luar tardio
Não viu nossos amores inocentes?
Não embalou-se da morena virgem
No suspirar, nos cânticos ardentes?
E quantas vezes não dormi sonhando
Eterno amor, eternas as venturas...
E que o céu ia abrir-se... e entre os anjos
Eu ia despertar em noites puras?
Foi esse o amor primeiro! requeimou-me
As artérias febris de juventude,
Acordou-me dos sonhos da existência
Na harmonia primeira do alaúde.

Meu Deus! e quantas eu amei... Contudo
Das noites voluptuosas da existência
Só restam-me saudades dessas horas
Que iluminou tua alma d’inocência.
Foram três noites só... três noites belas
De lua e de verão, no vale saudoso...
Que eu pensava existir... sentindo o peito
Sobre teu coração morrer de gozo.
E por três noites padeci três anos,
Na vida cheia de saudade infinda...
Três anos de esperança e de martírio...
Três anos de sofrer — e espero ainda!
A ti se ergueram meus doridos versos,
Reflexos sem calor de um sol intenso,
Votei-os à imagem dos amores
Pra velá-la nos sonhos como incenso.
Eu sonhei tanto amor, tantas venturas,
Tantas noites de febre e d’esperança...
Mas hoje o coração parado e frio,
Do meu peito no túmulo descansa.
Pálida sombra dos amores santos!
Passa quando eu morrer no meu jazigo,
Ajoelha ao luar e entoa um canto...
Que lá na morte eu sonharei contigo.

12 de setembro, 1852.

Patativa do Assaré

Cante lá, que eu canto cá

Poeta, cantô de rua,
Que na cidade nasceu,
Cante a cidade que é sua,
Que eu canto o sertão que é meu.

Se aí você teve estudo,
Aqui, Deus me ensinou tudo,
Sem de livro precisá
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mexo aí,
Cante lá, que eu canto cá.

Você teve inducação,
Aprendeu munta ciença,
Mas das coisa do sertão
Não tem boa esperiença.
Nunca fez uma paioça,
Nunca trabaiou na roça,
Não pode conhecê bem,
Pois nesta penosa vida,
Só quem provou da comida
Sabe o gosto que ela tem.

Pra gente cantá o sertão,
Precisa nele morá,
Tê armoço de fejão
E a janta de mucunzá,
Vivê pobre, sem dinhêro,
Socado dentro do mato,
De apragata currelepe,
Pisando inriba do estrepe,
Brocando a unha-de-gato.

Você é muito ditoso,
Sabe lê, sabe escrevê,
Pois vá cantando o seu gozo,
Que eu canto meu padecê.
Inquanto a felicidade
Você canta na cidade,
Cá no sertão eu infrento
A fome, a dô e a misera.
Pra sê poeta divera,
Precisa tê sofrimento.

Sua rima, inda que seja
Bordada de prata e de ôro,
Para a gente sertaneja
É perdido este tesôro.
Com o seu verso bem feito,
Não canta o sertão dereito,
Porque você não conhece
Nossa vida aperreada.
E a dô só é bem cantada,
Cantada por quem padece.

Só canta o sertão dereito,
Com tudo quanto ele tem,
Quem sempre correu estreito,
Sem proteção de ninguém,
Coberto de precisão
Suportando a privação
Com paciença de Jó,
Puxando o cabo da inxada,
Na quebrada e na chapada,
Moiadinho de suó.

Amigo, não tenha quêxa,
Veja que eu tenho razão
Em lhe dizê que não mêxa
Nas coisa do meu sertão.
Pois, se não sabe o colega
De quá manêra se pega
Num ferro pra trabaiá,
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mêxo aí,
Cante lá que eu canto cá.

Repare que a minha vida
É deferente da sua.
A sua rima pulida
Nasceu no salão da rua.
Já eu sou bem deferente,
Meu verso é como a simente
Que nasce inriba do chão;
Não tenho estudo nem arte,
A minha rima faz parte
Das obra da criação.

Mas porém, eu não invejo
O grande tesôro seu,
Os livro do seu colejo,
Onde você aprendeu.
Pra gente aqui sê poeta
E fazê rima compreta,
Não precisa professô;
Basta vê no mês de maio,
Um poema em cada gaio
E um verso em cada fulô.

Seu verso é uma mistura,
É um tá sarapaté,
Que quem tem pôca leitura
Lê, mais não sabe o que é.
Tem tanta coisa incantada,
Tanta deusa, tanta fada,
Tanto mistéro e condão
E ôtros negoço impossive.
Eu canto as coisa visive
Do meu querido sertão.

Canto as fulô e os abróio
Com todas coisa daqui:
Pra toda parte que eu óio
Vejo um verso se bulí.
Se as vêz andando no vale
Atrás de curá meus male
Quero repará pra serra
Assim que eu óio pra cima,
Vejo um divule de rima
Caindo inriba da terra.

Mas tudo é rima rastêra
De fruita de jatobá,
De fôia de gamelêra
E fulô de trapiá,
De canto de passarinho
E da poêra do caminho,
Quando a ventania vem,
Pois você já tá ciente:
Nossa vida é deferente
E nosso verso também.

Repare que deferença
Iziste na vida nossa:
Inquanto eu tô na sentença,
Trabaiando em minha roça,
Você lá no seu descanso,
Fuma o seu cigarro mando,
Bem perfumado e sadio;
Já eu, aqui tive a sorte
De fumá cigarro forte
Feito de paia de mio.

Você, vaidoso e facêro,
Toda vez que qué fumá,
Tira do bôrso um isquêro
Do mais bonito metá.
Eu que não posso com isso,
Puxo por meu artifiço
Arranjado por aqui,
Feito de chifre de gado,
Cheio de argodão queimado,
Boa pedra e bom fuzí.

Sua vida é divirtida
E a minha é grande pená.
Só numa parte de vida
Nóis dois samo bem iguá:
É no dereito sagrado,
Por Jesus abençoado
Pra consolá nosso pranto,
Conheço e não me confundo
Da coisa mió do mundo
Nóis goza do mesmo tanto.

Eu não posso lhe invejá
Nem você invejá eu,
O que Deus lhe deu por lá,
Aqui Deus também me deu.
Pois minha boa muié,
Me estima com munta fé,
Me abraça, beja e qué bem
E ninguém pode negá
Que das coisa naturá
Tem ela o que a sua tem.

Aqui findo esta verdade
Toda cheia de razão:
Fique na sua cidade
Que eu fico no meu sertão.
Já lhe mostrei um ispeio,
Já lhe dei grande conseio
Que você deve tomá.
Por favô, não mexa aqui,
Que eu também não mêxo aí,
Cante lá que eu canto cá.

Patativa de Assaré/Antônio Gonçalves da Silva

Do livro: "Cante lá, que Eu Canto cá", Ed. Vozes, 1978, RJ

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Para refletir um pouco

Na inocência de uma criança, Deus se revela.



-Amanhã de manhã eu vou abrir o teu coração. Explicava o cirurgião para uma criança.

E a criança o interrompeu:

-Você encontrará Jesus ali?

O cirurgião olhou para ela, e continuou:


-Eu vou cortar uma parede do teu coração para ver o dano completo.

-Mas quando você abrir o meu coração encontrará Jesus lá? A criança voltou a interrompê-lo.


O cirurgião se voltou para os pais, que estavam sentados em silêncio.

-Quando eu tiver visto todo o dano causado, planejaremos o que fazer em seguida, ainda com teu coração aberto.

-Mas você encontrará Jesus em meu coração? A Bíblia diz claramente que Ele mora ali. Todos que acreditam Nele dizem que Ele vive ali…
Então você vai encontrá-lo no meu coração!

O cirurgião pensou que era suficiente e lhe explicou:

-Após a operação, te direi o que encontrei em teu coração, de acordo?


Eu tenho certeza que encontrarei músculo cardíaco danificado, baixa resposta de glóbulos vermelhos, e fraqueza nas paredes e vasos. E, além disso, eu vou concluir se posso te ajudar ou não.

-Mas você encontrará Jesus ali também? É sua casa, Ele vive ali, sempre está comigo.

O cirurgião não tolerou mais os comentários insistentes e se foi. Em seguida, ele se sentou em seu consultório e começou a gravar seus estudos prévios para a cirurgia: aorta danificada, veia pulmonar deteriorada, degeneração muscular cardíaca massiva. Sem possibilidades de transplante, dificilmente curável.

Terapia: analgésicos e repouso absoluto.

Prognóstico: fez uma pausa e em tom triste disse:

-Morte nos primeiros anos de vida.

Então, parou o gravador.

-Mas tenho algo a mais a dizer: Por quê? Perguntou em voz alta.

Por que acontecer isso com ela? O Senhor a colocou aqui, nessa vida e já a havia condenado a uma morte precoce. Por quê?

De repente, Deus, nosso Criador, respondeu:

O menino, minha ovelha, já não pertencerá a teu rebanho, porque ele é parte de mim e comigo estará por toda a eternidade. Aqui no céu, em meu rebanho sagrado, já não terá nenhuma dor, será consolado de uma forma inimaginável para ti ou para qualquer outra pessoa. Seus pais, um dia, se unirão com ele, conhecerão a paz e a harmonia juntos em meu reino e meu rebanho sagrado continuará crescendo.

O cirurgião começou a chorar muito, mas sentiu ainda mais raiva, não entendia as razões. E replicou:

-Tu criaste este menino, e também seu coração para quê? Para que morresse em poucos meses?

O Senhor lhe respondeu:

-Porque é tempo de regressar ao seu rebanho, sua missão na terra já se cumpriu. Há alguns anos atrás enviei uma ovelha minha com dom de médico para que ajudasse a seus irmãos, mas com tantos conhecimentos na ciência se esqueceu de seu Criador.
Então enviei outra de minhas ovelhas, o menino enfermo, não para perdê-lo, e sim para que a ovelha perdida há tanto tempo, com dotes de médico volte para mim.

Então o cirurgião chorou e chorou copiosamente.

Dias depois, após a cirurgia, o médico sentou-se ao lado da cama do menino, enquanto seus pais estavam à frente do médico.

O menino acordou e murmurando rapidamente perguntou:

-Abriu meu coração?

-Sim. Disse o cirurgião.

-O que encontrou? Perguntou o menino.

Tinha razão, reencontrei Jesus ali.

Deus tem muitas maneiras diferentes para que nós voltemos para o Seu lado. Uma delas foi a Paixão e morte do seu Filho Jesus.


Limito-me ao embargo na voz, frente a tal emoção proporcionada por tão bela estória.


segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Meu maior tesouro


Existem momentos na vida que dispensam todo e qualquer comentário, este foi um deles.
Nunca um simples "tomar milk-shake juntos" significou e expressou tanto.

Ou então o simples fato de voltar a ser criança e poder sorrir verdadeiramente, sem se preocupar com o depois...

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Vinte versos em você

Menina rosa
cabelo cacheado
às vezes liso
e de belo sorriso
branquinho e ousado.

Pele branca
olhos de mel
jeito faceiro
delicado cheiro
me leva ao céu.

Menina arteira
me leva aonde quer
jeito envolvente
meiga, atraente
sedutora mulher.

Não é deusa
não é fada
Vênus ou Athenas
simplesmente e apenas
Suília, minha amada.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Meu fim


Meu fim

Poesia, aonde foi?

Não pulsas em mim

abandonaste meu peito

real desrespeito,

de um poeta, o fim.


Rima aonde vais?

Não me deixe também

do nada foi embora

se esvaiu, e agora?

Só me resta o além.


Os versos, cadê?

Aonde estão?

Procuro e não acho

nem mesmo um pedaço

que me sirva de chão.


Meu lápis onde está?

Aonde foi o papel?

Sem poesia, rima e verso

tiraram meu universo

roubaram-me o céu.


Daniel Cortez/ 2011

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Paz em sua totalidade.

Por muitas e muitas vezes, definimos “paz” como sendo sossego, algum lugar afastado onde o barulho não possa perturbar seu imaculado silêncio, nos refugiamos, nos fechamos para o resto do mundo, eis que um erro se revela: a paz difere totalmente do sossego, este por sua vez, defino como sendo estar deitado numa rede, armada no alpendre de uma casa num sítio, vendo a chuva que se aproxima, trazendo com ela aquele cheirinho gostoso de terra molhada, e neste cenário, tirar uma boa soneca. Mas o dia logo termina, o sossego fica na lembrança e temos de retomar nossa vida, nossos problemas, trabalho, família, em fim, tudo que compõe o real cenário da vida.

Com relação à “paz”, essa não é passageira, desde que saibamos aonde encontrá-la. É comum que a procuremos em vários locais, e para isso dedicamos muito tempo, quando na verdade a verdadeira Paz está mais perto do que se imagina, está no nosso íntimo, no silêncio da alma, no nosso coração.

Quem pôde viver alguma experiência em Madonna House, sabe bem do que estou falando. Poustínia, desertos, até as mais comuns tarefas do cotidiano, são meios de encontrá-la. Para se encontrar a paz, a verdadeira Paz, é necessário silenciar o coração, procedimento este que não é tão fácil, neste momento, se faz necessário que nos refugiemos um pouco, que nos desliguemos do mundo que nos cerca, tal qual como no sossego do início desta, mas com um diferencial, esse retiro não tem a finalidade de me isolar do mundo em busca de um pouco de tranquilidade, mas sim proporcionar um encontro com Aquele que mais amo. Lendo o livro O silêncio de Deus, de Catherine Doherty, dá para se ter uma idéia de como é buscar encontrar o amado, nele, é descrita toda a trajetória de uma experiência simplesmente bela em busca “daquele que tanto amo” e sua recompensa.

Não só em O silêncio de Deus, mas outros livros da mesma escritora e fundadora da Comunidade de Apostolado Leigo Madonna House, como por exemplo, Deserto vivo, no qual Catherine Doherty julga como sendo vital para nossa sociedade às práticas de silêncio, solidão e desertos, por este motivo, são temas que não fogem da ótica de suas obras, dão roteiro a procura pelo silêncio, sua vivência e como resultado a tão sonhada Paz. Noutros escritos da mesma autora, especialmente um que está ganhando “cadeira cativa” no nosso blog é o Graça em todo dia que dedicado ao dia de hoje, 24 de agosto, traz A sétima bem-aventurança que justamente inspira esta postagem:

Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus. Mt 5,9.

Na reflexão, algo que ressoa mais forte é o fato de que De todas as qualidades de seu reino, nosso Senhor parecia apreciar mais a paz, justificado pelo fato da quantidade de vezes que é mencionada nos Evangelhos, Paz esta, que tem como real significado a Felicidade.

Entenderam a diferença entre Paz e sossego? Sossego é um estado, uma sensação temporária, enquanto a Paz, a Felicidade não, estas são frutos da oração, da intimidade com Deus, e como todo fruto, possui semente, e se possui semente tem uma finalidade que é brotar, virar nova árvore para dar mais frutos e consequentemente, mais sementes e assim, por diante, isso fica claro no Pequeno Mandato também de Catherine, em que em um trecho diz que devemos pregar o Evangelho com nossa vida, sem restrições, mas que para isso, é necessária esta intimidade, é preciso que a Paz seja encontrada primeiro em nossos corações e depois emanar do nosso ser em forma de ações.

Quem já teve contato com Steve, Lena, Elizabeth, Andora, Eliana e Pe. Tom, que moravam na Casa de Nossa Senhora – Madonna House em Emaús pôde sentir o que é a verdadeira Paz, e vê-la através desses seis irmãos que na sua simplicidade tanto me ensinaram em quatro dias, e até hoje, ainda colho frutos daqueles momentos de convivência, de partilha, inclusive, muito do que me foi revelado no silêncio ainda ressoa em minha alma, algo que parece contraditório: o silêncio que ressoa, mas que na verdade é “poético”. Me refiro aos quatro dias, pois nesse período, aprendi mais do que em toda minha caminhada, foi por causa deste contato, de sentir, de encontrar o próprio Cristo dentro de mim pude e posso enfrentar tantas batalhas, e ao final de cada uma, poder buscar no silêncio da alma os ensinamentos daquele que tanto amo.